domingo, 9 de setembro de 2007

Homo Opulentus (ou como tornar-se rico)

Há muito, muito tempo, houve uma tribo chamada Comunus, constituída de apenas algumas poucas pessoas. Inicialmente eles viviam da caça e da coleta natural, mas com o advento da tecnologia agrícola, sentiram a necessidade de dividir seu espaço de modo igualitário para que todos pudessem plantar, colher e prosperar. “Trabalho” era uma palavra relativamente nova em seu vocabulário.

O espaço da tribo havia sido dividido em partes iguais: alguns lotes de cultivo para as pessoas normais, e um espaço para os “moderadores”. Os “moderadores” eram cinco tribais que haviam sido designados para mediar os conflitos surgidos entre os habitantes depois da nova organização das terras. Ninguém sabe muito bem de onde surgiu essa idéia, o fato é que no momento em que as pessoas tiveram que se organizar em lotes, alguém tinha que manter a ordem para que uns não invadissem o espaço de outros. Pode-se dizer que os “moderadores” faziam vigorar algo parecido com aquilo que chamamos hoje de justiça formal. A diferença é que na tribo havia apenas umas poucas leis, bem poucas de fato: cada lote de terra era representado por um objeto, e o possuidor daquele objeto era o dono do lote que o objeto representava; o objeto específico poderia ser passado adiante, significando assim a transferência do lote para a pessoa que recebesse o objeto. Eles chamavam esses objetos de Eumignas. O trabalho dos “moderadores” era, então, relativamente simples. Garantir que ninguém invadisse o lote alheiro, e realizar a cerimônia oficial de transferência de Eumigna entre os tribais. Um lote de terra só podia ser transferido com a presença dos “moderadores”, que garantiriam a legitimidade do processo.

As coisas até que iam bem nessa nova organização. Os “moderadores”, em seis anos de existência, haviam realizado uma única transferência de lote. Cada um dos lotes abrigava uma pessoa que tirava dali sua completa subsistência, e, portanto, não havia muitos motivos para que alguém quisesse transferir sua estimada propriedade.

Certo dia um dos tribais, chamado Hombug, teve uma idéia que considerou revolucionária, uma idéia que poderia mudar sua vida completamente. Ele percebeu que alguns dos habitantes, assim como ele mesmo, não estavam muito satisfeitos com essa nova organização. Achavam o trabalho agrícola muito monótono e cansativo. Percebeu também que eles tiravam da terra apenas o necessário para sobreviver (algo muito aquém do que a terra podia oferecer). Resolveu então trabalhar arduamente no seu lote de terra... Constatou que de fato a terra poderia dar muito mais do que ele precisava para sobrevier. Começou então a acumular. Em pouco tempo tinha acumulado muito mais do que poderia consumir em um ano inteiro. Trabalhou mais um pouco e concluiu que era o suficiente. Pensou que havia chegado a hora de por em ação o maravilhoso plano e fez então sua proposta a um dos tribais mais insatisfeitos: daria a ele tudo o que tinha colhido. O suficiente para um homem viver mais de um ano sem trabalhar. Em troca queria o seu lote, apenas o seu lote. O homem pensou que era um bom negócio, afinal, não ter mais que trabalhar por um bom tempo e era tudo o que ele queria desde a nova organização. Foi então que os “moderadores” realizaram a segunda cerimônia de transferência de lote da história da tribo, e Hombug se tornou o primeiro homem da tribo a possuir mais de um lote só para si. Mas afinal, para que ele queria mais um lote se detestava trabalhar? O fato é que continuou trabalhando ainda mais do que antes...

Não demorou muito para que a comida do homem que havia “vendido” o lote estragasse, e ele reclamasse seu lote de volta, porém os “moderadores” estavam lá para garantir que a lei fosse mantida. Hombug fez então outra proposta para o homem desesperado:

- Você pode voltar a trabalhar no seu antigo lote, porém com uma condição: metade do que produzir será meu! – O pobre homem não tinha mais o que comer, e estava sem alternativas. Teria que voltar a trabalhar, e agora ainda mais do que antes.

Não levou muito tempo até que Hombug descobrisse uma maneira de escoar seu excesso de produção para outras regiões, estabelecendo a primeira via comercial de sua tribo. Os tribais começaram a invejar as jóias e mercadorias exóticas vindas de outras tribos diretas para seu lote de terra, e assim ele deu seus próximos passos: oferecia móveis, jóias e coisas que antes os tribais sequer imaginavam existir em troca de uma coisa pequena e simbólica: Eumignas. Eles passariam sua posse da terra e uma parcela de sua produção mensal para Hombug, e em troca receberiam muitas daquelas coisas que desejavam tanto.

Uma nova organização se estabeleceu e a tribo prosperou. A tecnologia trazida de outras tribos por Hombug promoveu um aumento significativo no conforto geral da tribo. Todos trabalhavam mais do que antes, mas já não reclamavam tanto, afinal todos viviam em casa grandes e confortáveis, bem diferentes daquelas de antes. Todos tinham acesso a coisas até pouco tempo inimagináveis, vindas de lugares desconhecidos. Ninguém entendia muito bem porque a casa de Hombug era incomparavelmente maior que a de todos os outros, e nem o porquê, por mais que todos trabalhassem muito, permanecia a impressão de que Hombug possuía mais riquezas do que todos tribais juntos. Na verdade, depois de um bom tempo, até esqueceram das Eumignas e para que elas serviam, apenas Hombug e os “moderadores” tinham plena consciência de sua existência e significado. A propósito, os “moderadores” sabiam que algo não estava certo... mas cumpriam o seu dever. Afinal, com todo o conforto que Hombug os propiciava, não tinham do que reclamar.